Responda rápido: você sabe quem é o brasileiro indicado ao Prêmio Nobel da Paz este ano? Se a resposta foi sim, provavelmente conhece o agrônomo brasileiro e ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, nascido há 84 anos em Bambuí (MG). Se a resposta for não, então prepare-se para descobrir um personagem com fôlego invejável e uma trajetória profissional totalmente dedicada ao desenvolvimento do agronegócio brasileiro.
O primeiro desafio para conhecer Alysson Paolinelli é conseguir espaço em sua agitada agenda. Depois que sua nomeação foi protocolada junto ao Conselho Norueguês do Nobel pelo diretor da Esalq, professor Durval Dourado Neto, Paolinelli não se cansa de dar entrevistas, participar de eventos e reuniões com entidades e empresas do agronegócio. “Os amigos fizeram esse movimento e eu nunca vi nada tão solidário. Sinto obrigação de atender todo mundo. Mas a agenda não é brincadeira”, comenta.
Essa correria, vale frisar, não é recente. Há seis anos ele se mudou para Lagoa Santa, município pertencente à Região Metropolitana de Belo Horizonte, para ficar mais perto do aeroporto. Dali, antes da pandemia, ele embarcava e desembarcava entre quatro e cinco vezes por semana para vários cantos do País. Com o isolamento social, optou por permanecer na fazenda com a segunda mulher e um dos cinco filhos, Gustavo, prestes a assumir os negócios. Embora dois filhos morem nos Estados Unidos, o pai nunca teve vontade de morar fora. No total, tem 14 netos e um bisneto.
A paixão pela agronomia, pelo jeito, foi hereditária. Antônio Paolinelli de Carvalho, seu pai, era agrônomo e quando foi prefeito de Bambuí criou um posto agropecuário na cidade. Mais adiante, o município ganhou um Centro de Treinamento e o Colégio Agrícola. Filho único, certo dia Alysson deixou o pai emocionado ao contar que também queria ser agrônomo. “Quando eu não estava em aula, sempre o acompanhava nas atividades e fui pegando gosto. Assistia palestras, ouvia os agricultores e acabei aprendendo a fala do produtor e entender o que eles precisavam”, lembra.
Seu Antônio, no entanto, queria ter certeza de que o jovem tinha vocação mesmo. Por isso, durante alguns dias da semana ele começou a ajudar na fazenda herdada do avô. Foi um estágio e tanto ao lado do tio, dos vizinhos e de todos que ali trabalhavam. Sim, estava certo: era agronomia o que queria fazer na vida. Para se preparar melhor, foi estudar em Lavras, a 8 horas de distância de Bambuí, numa longa viagem pela Rede Federal Ferroviária.
Uma história puxa a outra
Alysson Paolinelli não planejou os rumos das coisas, mas elas foram acontecendo naturalmente em sua vida. Na Escola Superior de Agricultura de Lavras (ESAL), virou presidente do Centro Acadêmico. Dois dias antes da formatura, em 1959, recebeu o convite inesperado para dar aulas na escola. Um professor tinha se aposentado e outro estava doente. O momento era delicado, pois uma grave crise financeira havia se abatido na instituição. “Eu já tinha escolhido o que fazer depois da formatura, mas não pensei duas vezes. Não perguntei salário, se tinha moradia, nada. Aceitei de imediato”, conta.
Não foi fácil a vida de professor de Hidráulica, Irrigação e Drenagem. “Como eu não queria que caísse a qualidade do ensino, estudei feito louco para preparar as aulas”, continua. Fora isso, a escola estava em processo de federalização, o que exigia viagens constantes para Brasília e Rio de Janeiro para conversar com autoridades. Finalmente, em dezembro de 1963, tornou-se Universidade Federal.
Seu empenho era notado por todos e, em 1967, virou reitor. A escola atraiu a atenção também do presidente Artur da Costa e Silva durante visita à região e, antes de ir embora, ele falou para Alysson: “Vou precisar de você”. Em 1971, o reitor aceitou o convite do governador Rondon Pacheco para assumir a Secretaria da Agricultura de Minas Gerais.
Projetos e mais projetos
Três anos depois, em 1974, Alysson Paolinelli virou ministro da Agricultura, convite feito pelo então presidente Ernesto Geisel. Estava com 38 anos. Desde o início de sua gestão, ele apostou no tripé ciência, tecnologia e desenvolvimento. O Brasil, naquele momento, era importador de alimentos e o Cerrado era um imenso vazio no meio do País. Não existia agricultura tropical competitiva no planeta e Alysson defendia a necessidade de o Brasil ser autossuficiente em alimentação. Importantes projetos nasceram em sua gestão, envolvendo café, gado de corte, cultura irrigada nas pastagens, fruticultura e muitos outros.
Quando assumiu o cargo, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, ou simplesmente Embrapa, havia sido criada há dois anos. Mas não era, nem de longe, a potência que se tornou depois. Paolinelli promoveu profunda reestruturação na empresa, incluindo assinatura de acordos com universidades, de olho nos melhores professores e alunos dessas instituições para desenvolvimento de pesquisas.
Como havia falta de profissionais com pós-graduação no setor agrícola, foi criado um arrojado programa de bolsa de estudos para alunos brasileiros aprofundarem conhecimentos nas melhores instituições de ensino ao redor do mundo. “Uma família, naquela época, gastava 48% de sua renda só em alimentação. Era uma loucura e isso não podia acontecer”, comenta.
Tudo o que havia sido testado por Paolinelli em Minas Gerais foi além e mais profundamente agora que ele comandava o Ministério da Agricultura. Se o solo no Cerrado era improdutivo, o jeito era investir em colocação de fertilizantes na terra, aração profunda, utilização de máquinas especiais para rompimento de camadas impermeáveis. “No sexto ano, o Cerrado já era a área mais produtiva e competitiva do mundo, batendo o Corn Belt (cinturão do milho norte-americano). O Cerrado foi a grande salvação brasileira”, conta.
Em sua gestão, os agricultores tiveram acesso a amplos financiamentos, além de um olhar atento também ao bioma amazônico.
Apelo pelo investimento em pesquisa
A divulgação do vencedor do Prêmio Nobel da Paz acontece anualmente em outubro. Alysson Paolinelli acha distante a possibilidade de ganhar esse reconhecimento mundial, mas se emocionou quando o ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues, lançou a ideia durante almoço na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A plateia deu todo o apoio e, a partir daí, a candidatura foi oficialmente lançada. Em 2006, quando estava com 70 anos, ele recebeu o World Food Prize, prêmio equivalente ao Nobel da Alimentação, junto com Edson Lobato, da Embrapa.
Se os convites para eventos já eram vultosos até ali, a vida ficou ainda mais agitada desde então.
Sempre que pode, ele deixa um recado claro: a necessidade de o País voltar a investir em pesquisa. “No Brasil, temos hoje 2,6 mil doutores de alta qualidade sem recursos. Nossas universidades têm os melhores cursos de pós-graduação em agricultura tropical do mundo e estão sem verba. Quase todas as universidades estaduais faliram e correm o risco de fechar. Enquanto eu puder, vou gritar contra isso”, diz enfaticamente.
Ele continua: “É preciso ter visão estratégica para manter o Brasil no lugar que merece. Somos os maiores exportadores, produzimos produtos com preços mais baixos. Produzimos 12 meses por ano, temos oferta. Aqui, sem irrigação, damos duas lavouras por ano. Com irrigação, damos três. Com irrigação e implantação do ILPF (Integração Lavoura Pecuária Floresta) temos condições de aumentar a produção sem uso de nenhum hectare a mais”.
Assim, com muita opinião e clareza sobre a atual situação do agronegócio brasileiro, Alysson Paolinelli segue trabalhando no Instituto Fórum do Futuro, formado por grupo de cientistas e técnicos em prol do desenvolvimento dos biomas brasileiros. Seu desejo é que o movimento em favor de sua premiação seja, na verdade, um movimento em favor do Brasil. “Ciência é tudo”, diz antes de se despedir.